quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Israel, a Comunidade Internacional e a paz com os Árabes - Parte 1


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Por João Monteiro

É comummente entendido que o estabelecimento do Estado de Israel na Palestina em 14 de Maio de 1948, se fundamenta na Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU de 29 de Novembro de 1947, o chamado Plano de Partilha, e esse entendimento é até usado pelos detratores de Israel com o intuito de lhe retirarem legitimidade, ao defenderem que a criação do Estado Judeu foi apenas motivada pelo sentimento de culpa do Ocidente por ter permitido o Holocausto nazi e pela necessidade de uma compensação ao Povo Judeu por esse sofrimento, o que foi feito pelo atropelo e à custa dos legítimos interesses dos Árabes da Palestina que se viram, assim, espoliados e privados do seu território. Esses factos teriam sido a fonte de ignição do conflito Israelo-Árabe, numa primeira fase, e particularmente do conflito Israelo-Palestiniano atual. Nada, do que a este assunto interessa, pode estar mais longe da verdade. Naturalmente que para esses inimigos de Israel a verdade pouco importa, desde que o mito que serve os seus intentos perdure. Mas a verdade sempre interessará àqueles que, mesmo tendo opinião diversa, muitas vezes arreigada no mito, têm a suficiente honestidade intelectual para quererem fundamentar as suas análises e conclusões em factos, estando abertos à revisão das suas posições. Vejamos, então, o que historicamente aconteceu e qual o papel desempenhado pelas partes envolvidas.
A criação do novo Estado de Israel na sua terra ancestral – Eretz Yisrael (Terra de Israel) – em pleno século XX, após dois milénios de ausência é, sem dúvida, um dos acontecimentos mais extraordinários da história da Humanidade. Essa ausência verificou-se enquanto nação – mesmo que não independente à data da sua saída – uma vez que a diáspora do Povo Judeu iniciada no ano 70 AD com a destruição de Jerusalém e do Segundo Templo pelos exércitos de Tito e a sua continuação em 135 AD com o esmagamento pelos Romanos da Segunda Revolta Judaica liderada por Shimon Bar-Kokhba, não terminou, apesar de tudo, com a presença dos Judeus na Terra de Israel.
Para esse regresso, foi fundamental a contribuição de Theodor Herzl, o fundador do Movimento Sionista, ao publicar em 1896 o livro “ Der Judenstaat” (O Estado Judeu) do qual resultou a realização no ano seguinte, em Basileia, na Suíça, do 1º. Congresso Sionista.
O Sionismo é, nada mais, nada menos, que o anseio antigo do Povo Judeu de regressar à sua terra como nação independente e o Movimento Sionista é a expressão política desse anseio, tornando-o em movimento de autodeterminação. Podemos ver do sentimento sionista uma primeira manifestação no exílio de Judá na Babilónia, no século VI AC, após a destruição do Primeiro Templo: Junto aos rios de Babilónia nos assentámos e chorámos, lembrando-nos de Sião.1 E a partir da Diáspora, ele tem-se manifestado através da saudação anual que os Judeus de todo o mundo fazem após a Seia de Páscoa: “No próximo ano, em Jerusalém!” Da mesma forma, na cerimónia de casamento, o noivo parte um copo em sinal de pesar pela destruição dos dois Templos e recita os versículos 5 e 6 do Salmo 137: Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se-me a língua ao paladar, se me não lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria.2 Sião, um dos montes de Jerusalém, o símbolo e sinónimo da cidade e até da Terra de Israel, continuou a dar inspiração à vontade indomável de independência e liberdade do Povo Judeu.
Da sua análise, Theodor Herzl concluiu que a solução do que identificou como o “Problema Judeu” passava pela concretização de uma soberania judaica, pois considerava que os Judeus só poderiam ganhar a aceitação do mundo quando deixassem de ser uma “anomalia nacional” o que, como povo que eram, só seria conseguido através da criação de um Estado próprio. Para o efeito pretendia o envolvimento das potências da época pois via o problema judaico como um problema político internacional.
Assim, no Congresso, Herzl propôs um programa prático de angariação de fundos entre os Judeus de todo o mundo, através de uma Companhia a criar para o efeito com o objetivo da aquisição de terras que permitisse a imigração e instalação do povo, desenvolvendo o território e criando as instituições necessárias à existência do Estado. Essa organização veio a ser a Organização Sionista, criada nesse ano de 1897 e para a angariação de fundos foi criado o Fundo Nacional Judaico em 1901. O Congresso adoptou o Programa de Basileia segundo o qual o Sionismo tinha como objetivo a criação de um Lar para os Judeus na Terra de Israel, garantido pelo Direito Internacional, tendo sido usado o termo “lar” em vez de “estado” para não hostilizar o Sultão otomano que ainda dominava sobre a Palestina, no sentido de não serem prejudicados os Judeus que viviam no território. Seria um Estado neutral, não beligerante e de natureza secular. No seu livro “Altneuland” (Velha Terra Nova) de 1902, Herzl visionava o futuro Estado Judeu na Terra de Israel como uma utopia socialista, criado com base cooperativa, apoiado na ciência e na tecnologia e como uma sociedade avançada e pluralista, um estado que servisse de “luz para as nações”. Este livro veio a ter grande impacto na visão sionista sobre o Estado a criar, tendo os seus conceitos sido implementados no processo de estabelecimento do Estado de Israel, nomeadamente, na implantação dos “kibbutz”.
Foi com o objetivo da concretização deste ideal que os líderes sionistas do início do século XX, nomeadamente Chaim Weizmann, procuraram obter apoios ao estabelecimento nacional dos Judeus na Terra de Israel, nomeadamente da Grã-Bretanha, o que veio a ser conseguido quando o Governo Britânico, através do seu Foreign Secretary (Ministro dos Negócios Estrangeiros) Lord Arthur James Balfour, emitiu a famosa Declaração Balfour de 2 de Novembro de 1917, em carta dirigida a Lord Rothschild, líder da Organização Sionista:

Foreign Office, November 2nd, 1917
Dear Lord Rothschild:
I have much pleasure in conveying to you, on behalf of His Majesty’s Government, the following declaration of sympathy with Jewish Zionist aspirations which has been submitted to, and approved by, the Cabinet:
His Majesty’s Government view with favor the establishment in Palestine of a national home for the Jewish people, and will use their best endeavors to facilitate the achievement of this object, it being clearly understood that nothing shall be done which may prejudice the civil and religious rights of existing non-Jewish communities in Palestine, or the rights and political status enjoyed by Jews in any other country.
I should be grateful if you would bring this declaration to the knowledge of the Zionist Federation.
Yours
Arthur James Balfour3


Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a consequente necessidade da redefinição do quadro político-geográfico dos territórios anteriormente sob o domínio otomano, no seguimento da Conferência de Paz de Paris de 1919 onde Judeus e Árabes submeteram as suas petições, teve lugar em San Remo, Itália, nova Conferência das Principais Potências Aliadas (Grã-Bretanha, França, Itália e Japão, com os Estados Unidos como observadores) de 18 a 26 de Abril de 1920. Essa Conferência destinou-se a decidir e a produzir disposições legais vinculativas no Direito Internacional após a audição das petições apresentadas no ano anterior em Paris, ou seja, decidir quem ficaria com o quê no que concernia àqueles territórios. E a Resolução dela emanada no dia 25 de Abril de 1920, na sua alínea c), especificava o seguinte, relativamente ao território da Palestina e ao Povo Judeu: The High Contracting Parties agree to entrust, by application of the provisions of Article 22, the administration of Palestine, within such boundaries as may be determined by the Principal Allied Powers, to a Mandatory, to be selected by the said Powers. The Mandatory will be responsible for putting into effect the declaration originally made on November 8, 1917, by the British Government, and adopted by the other Allied Powers, in favour of the establishment in Palestine of a national home for the Jewish people, it being clearly understood that nothing shall be done which may prejudice the civil and religious rights of existing non-Jewish communities in Palestine, or the rights and political status enjoyed by Jews in any other country.4 Nos termos da Resolução, em Dezembro de 1920, a Comissão de Fronteiras Franco-Britânica delimitou as fronteiras da Palestina, como Lar Nacional do Povo Judeu.
Através da Resolução de San Remo, a Declaração Balfour, que tinha sido emitida como uma manifestação de intenção do governo britânico, recebeu pleno apoio da Comunidade Internacional, passando a fazer parte do Direito Internacional e a ser aceite como a base constitucional de governo da Palestina. Em San Remo verificou-se, portanto, o momento histórico da criação “de jure” do moderno Estado de Israel.


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Notas

1 Salmo 137:1 – A Bíblia Sagrada (Tradução de João Ferreira de Almeida, Edição Contemporânea, Editora Vida, S. Paulo);

2 Salmo 137:5, 6 – A Bíblia Sagrada (Tradução de João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Actualizada no Brasil, Sociedade Bíblica do Brasil). O facto de escolher duas edições diferentes da Bíblia para o mesmo Salmo, prende-se apenas com o gosto pessoal pelo texto de uma e de outra versão da tradução;

 
 
Imagem da Wikipédia, paisagem israelita, em Ramat Hagolan

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